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dá pra ouvir também aqui.
foi lindo torcer pra Rayssa ganhar em Tóquio pq (além dos tantos motivos óbvios) eu senti que tava torcendo pra brincadeira ganhar medalha. fiquei pensando no tanto de gente adulta carrancuda (eu inclusa nesse grupo) que ficou acordada até a madrugada de um domingo - aquele dia que nos lembra dos dias de seriedade que vem dobrando a esquina - pra ver uma menina se divertindo! não é maravilhoso?
a leveza com que ela entrava na pista, dançava, torcia pelas amigas e voava em cima do skate era O espetáculo! as manobras pareciam ser só uma desculpa praquilo estar acontecendo. aliás, não fossem as sinalizações, não daria nem pra dizer que ela tava numa prova tão “séria” como a final de uma olímpiada.
daí eu me pergunto - pq mesmo a seriedade virou sinônimo de “sucesso"?
no dia seguinte a maior ginasta da atualidade me respondeu: não devíamos abrir mão da diversão nunca!
Simone Biles anunciou que não ia participar das finais da ginástica olímpica pq não tá bem, e as falas dela sobre essa escolha são muito mais inspiradoras do que qualquer mortal-duplo-twist-carpado:
“Eu acho que estamos todos muito estressados. Nós deveríamos estar nos divertindo e esse não é o caso (…) Eu sinto que eu não estou me divertindo (…) Eu queria que esses Jogos Olímpicos fossem por mim mesma, mas eu sinto que ainda estou fazendo pelos outros. (…) Dói no meu coração que o que eu mais amo fazer foi tirado de mim.”
- Simone Biles
eu torço muito pra que ela consiga encontrar todo o apoio e conforto que precisa e que a sua decisão esteja sendo respeitada por quem está por perto. ela é muito significativa e é (mais um) sinal de alerta pra gente repensar rumos.
a gente atropela nossos limites pessoais, sejam mentais ou físicos, diariamente. e deixamos que as coisas que a gente ama fazer sejam tiradas de nós pela pressão do mais, mais, mais e melhor.
precisamos desistir de participar desse jogo até que ele deixe de fazer sentido.
por muito tempo eu escondi a escrita num cantinho bem reservado da vida e agora entendo que era medo de que ela fosse roubada de mim. queria que ela continuasse sendo meu lugar de diversão, de conforto e prazer e não via como isso podia acontecer se ela fosse também meu ofício.
só que isso é muito doido né? pq assim coisas que são tão importantes pra gente acabm ficando à margem das nossas vidas, quando deveriam ocupar um lugar mais central. a escrita é um desses pontos centrais pra mim hj, junto de outros que ainda deixo de lado, como a arte, a música, a conexão com a natureza...
eu precisei encontrar ambientes onde eu consigo me divertir com a escrita e ao mesmo tempo oferecê-la como um serviço pra consegur colocar esse meu lado mais à mostra. isso também conta sobre o quanto que o trabalho ocupa um papel central na nossa vida, mas já que a gente não consegue transformar toda a sociedade de uma vez - que seria uma coisa ótima pra poder viver uma vida menos voltada para a utilidade, como diria o Krenak com o seu “A vida não é útil” - encontrar jeitos de conseguir preservar o nosso amor e a diversão com as coisas que são importantes pra gente podem ser uma boa estratégia de sobrevivência.
no meu caso eu encontrei esses jeitos de conseguir preservar quando comecei a dizer não pro jogo tradicional do trabalho e construir formas que são mais geradoras de saúde, pra mim.
as olímpiadas em geral endossam que a “superação de limites” a qualquer custo é o caminho pra “glória”. mas será que é o único? e será que a gnt precisa de “glória”?
isso me lembra a fala da Geni Nunez em seu curso Descolonizando Afetos (sério, esse curso é muito fundamental, procurem saber), em que ela trata um pouco do pq o sofrimento é tão presente nas narrativas coloniais desde a origem católica - e né, esse formato de disputa à exaustão é um rolê meega colonial. no curso ela compara, por exemplo, como a demonstraçao de amor de Jesus tem um aspecto de sofrimento e sacríficio - morrer por nós na cruz - já Nhanderu demonstra seu amor pela gostosura do milho ou pelo tanto de prazer que nos faz sentir com as coisas às quais ele proporciona vida, como os rios, os céus, a paisagem. não é incrível saber que é tudo uma questão de construção de visão e que existem outras possíveis pra além de uma história única?
é uma delícia assistir tantos seres humanos fazendo coisas incríveis e tão variadas com seus corpos - eu pelo menos amo assistir as olímpiadas! apesar de ser mt controverso ela estar acontecendo este ano. - mas será que o preço dessa mobilidade, flexibilidade e coisas lindas de ver tem que ser tão alto? e será que essa exploração de possibilidades é mesmo pra tão poucos?
o assunto perfomance X diversão me persegue desde a infância, quando aparentemente eu não performava adequadamente na educação física (uma professora minha do jardim de infância chegou a dizer que eu era mocoronga pq não sabia dar cambalhota - e aliás, não sei até hj) com isso sinto que se fecharam muitas portas da diversão na minha vida.
anos mais tarde voltei a me reencontrar com os esportes num lugar de saúde e eles vieram pra ficar. hj são a corda que me tira dos buracos depressivos em que caio às vezes e fonte de muita diversão.
mexer o corpo é uma questão de saúde - mas, como tudo, pode ser veneno ou remédio. os caminhos pra que ela seja um fator gerador de vida me interessam muito mais.
sempre tive dificuldade com “o climinha esportivo competitivo que exclui quem não tá nessas. - e aqui me cito pq esse trecho é de um post que escrevi em 2016 (!) - mas hoje me divirto mexendo meu corpo, contando essa história e não me importando muito se eu não pareço exatamente uma musa fitness fazendo esportes.”
e nossa, como apoio faz diferença pra chegar nesses lugares gostosinhos. não podia terminar esse e-mail sem mencionar - e agradecer infinitamente - à Thais Moura, que é dessas pessoas que incentivam de jeitos que mudam a vida e consegue a proeza de botar a gente pra fazer abdominal dando risada. esses dias ela soltou uma maravilhosa no meio de um exercício: faz só a parte mais gostosa. ficou assim ó, que delícia:
que a gente consiga seguir buscando o gostoso da vida. e mesmo que tenha que suar pra conseguir, que a diversão nunca saia de vista.
nos vemos na próxima carta.
se cuide.
se divirta!
beijin
saidera
aquela hora da indicação pra encerrar a festa
Thainá é uma amiga muito querida, que, além de fazer um munguzá incrível e perfeito pra esses dias congelantes (tema da festa de hj é julina), é professora de museologia e articula uns projetos maravilhos junto com os alunos. a expo que ela tá organizando agora é a 9INHA NÃO! - primeira exposição curricular virtual feita por mulheres do curso de Museologia/ UFSC, trazendo a problemática da adultização e erotização infantil. elas estão arrecadando recursos pra bancar a produção de expo e você pode saber mais sobre isso no perfil do insta delas. a expo vai ser inaugurada dia 24/08 no expo9inhanao.cfh.ufsc.br trazendo assuntos naturalizados em nossa sociedade, mas nocivos às crianças, em especial, às meninas.
certeza que vai ser ba-ba-do!
* esse foi o e-mail mais rápido de escrever até agora. e isso não tem nada a ver os tempos olímpicos. é que eu usei uma prática que faz parte dos encontros do clube de criadoras, em que a gnt separa um tempinho pra focar - mesmo - e escrever. como o grupo ainda não começou, abri uma live no meu insta e simulei algo parecido com a experiência. e até que rolou viu. se você quiser saber mais do clube e chegar junto, as infos estão todas aqui.