escrevo como quem fracassa
e tem uma relação de amor e angústia com os fiascos
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tempo de leitura do email: 7 min
dá pra ouvir também aqui.
veja bem, na maior parte do tempo eu tenho carinho pelos meus fracassos.
e não é papinho não.
tanto que no primeiro livro impresso* em que participei como co-autora, meu capítulo é inteirinho sobre a história de um projeto, o Roupa Livre, que é um grande fracasso.
nesse capítulo eu conto sobre como o Roupa Livre não deu lucro, não parou de pé, não cresceu em escala… ou seja, um fiasco completo de acordo com qualquer métrica tradicional do mercado avaliando uma empresa, um negócio ou uma startup - seja lá qual for a classificação que o RL teria.
e não tô dizendo isso num tipo esquisito de modéstia não. eu ouvi isso, real-oficial, de algumas várias pessoas diferentes, aceleradoras ou em processos seletivos que eu participei em busca de apoio pras atividades do RL.
não era a coisa mais gostosa do mundo receber essas rejeições - quando é né? - mas ao mesmo tempo tinha um gostinho de vitória. até pq, se esse projeto nasceu pra ser um laboratório de repensar soluções pra lidar com as roupas de um jeito menos prejudicial pro mundo, ter sucesso dentro dos parâmetros do mercado que causa esses danos que eu queria tentar evitar não ia fazer muito sentido.
mas, ultimamente, mesmo com a mesma convicção e amor no coração que me levaram pra esse caminho de “remar contra a maré”, essa jornada tem sido bem mais pesada.
será que eu não devia estar me dedicando a um trabalho mais convencional? será que não devia seguir as regras do jogo e desistir de questionar tudo o tempo todo? a essa altura será que eu não deveria focar em ter um cargo mega-blaster ou em estar “fazendo” bastante dinheiro? será que tô “usando” meu tempo da melhor forma possível? olha só, tá todo mundo conquistando coisas e mais coisas e eu aqui colecionando fiascos, pra onde tô indo?
é claro, a instabilidade emocional do momento contribui pra que essas perguntas, que antes eu responderia com um tranquilo não e com mais segurança no meu caminho, agora me gerem angústias. a pandemia ter jogado na nossa cara a fragilidade da vida de um jeito tão brutal tbm pesa na conta.
mas a grande reflexão que tenho feito é que essa busca por remar contra a maré não é mesmo uma viagem pra canoa solitária. é jornada que se faz com muitos braços remando juntos e se reconhecendo nessa remada.
esse trecho do livro Esperança Ativa (já falei dele aqui, antes), me trouxe o alento de perceber que talvez eu não esteja indo num caminho tão “errado” assim. só estou mais sozinha, ultimamente. olha só o que a Joanna Macy diz:
“Quando as pessoas perdem o sentido de pertencimento a círculos mais amplos, elas não perdem apenas a motivação de agir em prol de suas comunidades e do meio ambiente, mas também perdem fontes valiosas de apoio e resiliência. Junto com a erosão da grande família e das redes comunitárias, a taxa de depressão nos países industrializados tem crescido constantemente há mais de 50 anos. Agora a taxa chegou a uma proporção tão épica que um a cada dois de nós tem probabilidade de sofrer um episódio depressivo significativo em algum ponto de nossas vidas.”
(vale o adendo: me vejo num desses episódios depressivos significativos atualmente na minha vida. acho que deu pra sacar, né?)
o que pude experimentar com o Roupa Livre me deu um baita estofo na hora de bancar essas escolhas fracassadas em voz alta. mas principalmente me conectou a uma rede incrível de pessoas que foram fundamentais pra cada passo dos últimos anos.
e faz mais de ano que eu não olho no olho dessas pessoas. que eu não sinto o cheiro delas, não sinto o calor, o coração batendo quando a gente se abraça. e isso deixa um buraco que só agora tô me dando conta do tamanho dele. antes esse buraco era mais imaginário, agora sinto que ele tá mais presente.
já falei várias vezes aqui o quanto os grupos on-line que participo ou facilito tem sido fundamentais pra segurar a bronca do distanciamento social. e mesmo sendo bicho, e sem ter nesses espaços virtuais a equivalência necessária completa do que essas trocas físicas proporcionariam, sigo levantando a bandeira de que eles podem sim ser paliativos muito saudáveis.
é uma questão de propósito e formato pra que essa mesma internet que destrambelha a nossa cabeça, possa ser um espaço colaboração e suporte.
o que tenho tentado fazer desde que me dei conta dessa solitude é buscar fazer mais coisas em parceria. por isso, é com muita alegria que eu conto que o clube de criadoras está voltando e agora tendo a fe resende como dupla pra puxar os encontros junto comigo.
eu sou fã dela carteirinha há tempos (inclusive, foi uma dessas conexões que o Roupa Livre me deu de presente pra vida) e tô muito animada de podermos criar esse espaço pra gente se apoiar, compartilhar as eventuais frustrações do processo criativo, buscar juntas soluções pra desembaraçar essas questões e encontrar jeitos gostosos de criar, produzir e comunicar.
não é tarefa fácil, já que o mesmo lugar - a internet - em que rola a gente se aglomerar desse jeito acolhedor, tá inundado de conteúdo pra gente absorver e promove umas dinâmicas que não são nada saudáveis. mas em grupo fica um pouco mais fácil remar contra essa maré de algoritmos.
vem remar junto com a gente? as inscrições estão abertas para um grupo beta que vai rolar em agosto, com as 16 primeiras pessoas que toparem:
eu não tenho dúvidas de que a gente estar mais juntas é o caminho. e que com a vacina vem uma mega esperança de que isso vá ser possível de acontecer com segurança, presencialmente, logo.
então vamos preservar todo restin de energia que tivermos, cuidar dela o melhor que pudermos - é o que tenho tentado fazer por aqui - e tentar usar os canais que a gnt tem ``a mão pra nos ajudar enquanto isso, pra logo logo poderemos voltar a fracassar juntins. e no fim das contas, esse será o nosso maior sucesso ;)
se cuide.
até já
bejin
saidera
hoje trago pra roda minha amiga-vizinha Gabi Borges, que além de ter um dedo ótimo pras plantinhas, faz um trabalho lindo de fortalecimento da cena feminina e feminista dentro do universo das Histórias em Quadrinhos. ela está lançando a segunda edição da revista da Mina de HQ e a pré-venda já está rolando em formato de financiamento coletivo. vale conferir e apoiar ;)
há uns tempos participei de um Impact Morning, um encontro mensal do Hub SP, pra trocar uma ideia sobre “como comunidades podem fortalecer o empoderamento feminino” e agora o papo foi lançado em formato podcast e pode ser acessado neste link aqui. (curioso quando a gente ouve nossa versão de meses atrás falando coisas que estamos precisando ouvir agora né?)
*o livro em questão é o recém-lançado “A Revolução da Moda”, organizado pelo Fashion Revolution e escrito por 16 autoras contando suas trajetórias dentro do universo da moda a partir de lugares de fala bem diversos. essa semana tive a alegria de poder trocar um pouquinho com a Lilyan Berlim, que abre o livro, nessa live no insta da Ju Barbosa. foi uma delícia.