escrevo como quem manda cartas de amor
amores não se resolvem. mas o coração continua.
tempo de escrita: 8 horas
tempo de leitura: 8 min
dá pra ouvir também aqui.
foi ouvindo Cananéia, Iguape e Ilha Comprida que decidi começar essa série de e-mails (esse era pra ser o primeiro email da série, mas o definhamento furou fila). quando o Emicida canta que “escreve como que manda cartas de amor pra um mundo em decomposição” me identifiquei. vi as mil listas de tarefas, misturadas com as trocentas cartas-platônicas e os textões sobre sonhos de outros mundos possíveis, tudo isso junto e misturado, e pude ver um chão comum entre essas minhas escritas.
percebi que tudo que eu escrevo é uma declaração de amor, no fim das contas. mesmo quando as palavras vão carregadas de medo, raiva, angústia, tristeza ou indignação. até o ódio, quando criativo, entra nesse jogo.
nem só de alegrias e brilho no olho se faz o amor, afinal.
mas e como é que é isso de amar um mundo em decomposição? - essa é a parte que mais me pega dessa música, que fala desse desejo gigante de espalhar amor - vai faltar caneta! - mesmo pra um mundo apodrecendo. como pode?
(aqui talvez tenha rolado uma identificação extra, pq né, quantas vezes já não me vi apaixonada em situações sem saída? perdi as contas, arremaria. platônicas e imãs de boys enroscados, é nóis)
só que, diferente do que acontece com os crushs, o mundo, mesmo “não tendo jeito”, não é algo que a gente possa dar um block+delete e seguir a vida. a gente tá aqui nesse planeta num relacionamento de longa duração, então é melhor a gente encontrar um jeito de apaziguar esse desejo de querer resolver o mundo, né?
ando em busca de formas de fazer isso e tenho encontrado algumas pistas na leitura de Esperança Ativa, livro da Joana Macy e Chris Johnstone. segundo eles, a esperança pode nos levar por dois caminhos:
no primeiro, temos uma esperança que depende de certos resultados. nesses casos, quando nosso resultado preferido parece provável de acontecer, temos muita esperança, mas ficamos esvaziadas em áreas onde nossas chances não sao tão altas (eu ouvi Brasil de 2020/2021?).
já o segundo caminho fala de uma esperança relacionada ao desejo, onde nos tornamos participantes, atuantes e promotoras do que almejamos. nesse caso, a esperança, ativa, se torna uma prática como o tai chi ou a jardinagem (e, cá entre nós, a escrita). não é o caso de acreditar que vamos resolver todos os problemas com as nossas próprias mãos, mas sim fazer com que os nossos gestos, independente do quão longe alcancem, estejam na direção do que vislumbramos construir. e é aí que encontramos energia pra seguir agindo.
o que fazemos com a esperança é que realmente faz a diferença.
Esperança Ativa é não esperar que agentes externos façam o que desejamos, e sim encontrar a motivação nas nossas ações por elas próprias.
no livro eles falam que pra cultivar essa Esperança Ativa, precisamos passar pela etapa de honrar nossa dor pelo mundo, e que é daí que desenvolvemos a capacidade de encarar informações perturbadoras sobre o que está acontecendo e reagir com uma inesperada resiliência.
ou seja, ao invés de fingir que o mundo não tá se decompondo e enfeitar essa história com fantasias, é encarar essa real e mesmo assim se declarar pra ele.
(ando encantada com essa metodologia e certamente vou querer trocar muitas ideias a partir desses estudos sobre o assunto, mas ainda tô no comecinho. se você quiser saber +, dá uma olhada no Trabalho que Reconecta que organiza um grupo de estudos e workshops sobre essa prática.)
nesse ponto, me lembrei de outra música, do mesmo álbum da primeira, que diz que “amor é decisão, atitude, muito mais que sentimento” (esse é um verso de Principia, também do Emicida).
esperança é verbo. amor também.
escrever, então, pode ser uma dessas atitudes que nascem da esperança e do amor. seja pra quem for - um único ser ou o planeta inteiro - ou seja qual for o conteúdo - contar novidades, angústias ou piadas - dedicar um tempo pra costurar e remeter palavras é declarar amor. é se importar o suficiente pra querer compartilhar um pedaço da vida, sonhos ou pensamentos. fazer os sentimentos (todos eles) chegarem até as outras pessoas nos abre caminhos pra trocar um amor mais inteiro.
sinto que com essa necessidade de comunicar-postar o tempo todo a gente acaba perdendo um pouco de vista o quão potente é enviar o que está dentro da gente pros outros. junto perde também chances de dar e receber amor. ói que grande.
toda escrita carrega ou abre possibilidades e pode abrir caminhos pra que a imaginação se torne ação. mesmo sem “resolver” nada por si só, pode ser ação que dá impulso pra gestos concretos muito revolucionários.
olha só ó tantão de reflexões e conexões que Cananéia, Iguape e Ilha Comprida me despertaram, por exemplo. algo que alguém escreveu me fez tomar várias ações - vir aqui, começar a compartilhar ideias, a partir dessas ideias vão se costurando outras ações e assim por diante.
são obras, escritas e cantadas, que me ajudaram a dar sentido e forma pra algo que eu sempre senti, só não sabia como explicar. isso é mágico!
aliás, AmarElo, o disco-doc-show-podcast, da onde vem a música que deu esse gatilho todo, é uma daquelas obras de arte que ampliam o significado das coisas num nível muito profundo. outro dia fui pintar um coração e não teve mais jeito dele sair vermelho. AmarElo mudou a cor do amor, pra mim.
acho fascinante como a arte é essa força que dá ou muda o sentido das coisas. vê só a importância: o que você escreve ou cria pode ajudar a ampliar o significado das emoções pra outras pessoas! pq guardar com a gente essas chaves que podem abrir tantas portas pros outros?
é nessa busca de criar arte pra transformar o significado e as cores das coisas que tenho mergulhado fundo nos últimos tempos. seja ajudando quem quer contar outras histórias individual ou coletivamente, seja estudando pra minha formação em arteterapia ou criando minha própria arte.
às vezes me pego pensando que isso tudo é muito pouco, diante do que estamos vivendo. mas são os gestos de esperança e amor em ação que consigo fazer agora. e isso é muito, pra mim, hoje.
na semana que vem seguimos trocando sobre amor e outras escritas por aqui.
pra você que chegou agora: a cada semana trago uma emoção diferente pra gente investigar. (inspirada totalmente na Aline Valek - amo! - que escolhe uma palavra por vez pras suas newsletters) envio essa cartinha às terças, dia seguinte dos encontros do Ninho de Escritoras, que me nutre muito de Esperança Ativa.
que nada nos distraia do amor! se cuidem.
até já ;)
ps1. se você quer experimentar ver o amor se transformar em ação de uma forma beem concreta, que tal se candidatar para alguma dessas vagas de escritores solidários? dá pra escrever cartas motivacionais para pessoas com depressão, sindrome do pânico, enlutados, cartas de gratidão para professores, profissionais de saúde, garis, escrever ser companhia de um idoso em isolamento ou entregar amor para mães solo. que tal?
ps2. já está em pré-venda o livro '“Revolução da moda: jornadas para sustentabilidade” organizado pelo Fashion Revolution que sou co-autora. escrevi um artigo contando um pouquino dos aprendizados que vivi articulando o Roupa Livre nos últimos 6 anos. reuni várias reflexões sobre essa coisa de transformar ideias em ação, tudo a ver com nosso papo de hoje. vale conferir, não só pelo artigo que eu escrevi, claro, mas pq os outros textos todos estão muito ricos - dei uma conferidinha na revisão e ó, tá incrível ;)