sobre as coisas que eu não sei • capítulo 1
tempo de leitura: 9 minutos
tempo de escrita: 6 horas
alô,
mari na linha. como estão as coisas por aí?
(perguntar se "tá tudo bem?” não combina com 2020 né...)
cê me dá licença para entrar na sua caixa de e-mails nesta quarta-feira? escrevo pra você por motivos de comichão.
há algum tempo ando com esse comichão por compartilhar conhecimento.
é como se tivesse um tantão de coisas que não cabem mais só em mim querendo conversar com outras mentes. falei dessa inquietação no meu podcast-piloto - que algum (?) dia deve ganhar outros episódios - e ela segue presente. trocar figurinhas me parece parte importande de construir novas possibilidades para as tantas coisas que andam quebradas no mundo.
movida por essa inquietação, cheguei até a metáfora do conhecimento-bexiga - quanto mais enchemos nossa bexiga do saber, mais aumentamos a área em contato com o desconhecido - e ela ampliou minha visão sobre o próprio conhecimento em si.
tenho plena consciência de que minha bexiga é bem pequenina diante do infinito do desconhecido. mas me parece que ao invés de ficar só num esforço de fôlego pra inflar esse saber, integrar essa conexão dentro-fora faz muito mais sentido. as conversas que quero puxar nestes e-mails vão ter este norte.
ainda buscando entender o que eu ando sentindo, caí, por sincronicidade, neste vídeo em que a Ana Thomaz explica sobre a transição do pensamento dualista para o pensamento paradoxal e ele me deu muitas pistas sobre estas inquietações.
a Ana fala que a busca por integrar o que está dentro e o que está fora, o certo e o errado, é a busca de existir por inteiro. - e se tem uma coisa que eu quero é existir por inteiro. ô se quero - ela também diz que os opostos são complementares e não excludentes. um existe por causa do outro, em contato com o outro.
tudo muito lindo de ouvir. acontece que fui - quem não foi? - treinada uma vida inteira para ir atrás de respostas certas e enxergar o mundo de um jeito dualista. descolar a mente desse funcionamento certo/errado bem/mal pede intenção e prática. desaprender dá tanto (ou mais) trabalho quanto aprender. a mente paradoxal já existe dentro de nós, mas precisa que a gente abra espaço para que ela possa se manifestar.
“O amor ao possível, e não ao provável, exige recusar, que já sabemos tudo que há para saber”. -- trecho pescado desta resenha da revista 451.
é por amor ao possível, essa palavrinha que une tanto a imaginação das possibilidades quanto a concretude do viável, que decidi me dedicar com mais intenção ao exercício de incluir o não-saber no meu saber. e esse tem sido um processo bem doido (e doído). é como e eu estivesse aprendendo um jeito totalmente novo de pensar e, por consequência, escrever.
eu não sabia que eu não sabia escrever sobre o que eu não sei.
pegar algumas descobertas, estudar um novo assunto, condensar as partes marcantes em algumas linhas e tirar conclusões a respeito já é um processo familiar. não que seja fácil, mas de certa forma fui (fomos) treinada para encaixotar e organizar as ideias. agora, escrever deixando lacunas ou escrever sobre estes espaços desconhecidos tem sido um pouco assustador. dá uma agonia não enxergar todas as respostas possíveis em um texto. além da constante ausência daquela sensação de texto acabado, já que ela nunca chega. este e-mail, por exemplo. foi escrito e re-escrito umas 20 vezes e ainda não acho que ele encerre o assunto das "reflexões sobre o não saber".
quer saber? ótimo. é melhor enviá-lo logo antes que eu me feche em alguma conclusão e me perca da prática.
suspeito que sensações desconhecidas devam fazer parte do processo de me familiarizar com o desconhecido. então acho um sinal auspicioso quando elas aparecem. me parece que a humildade do saber-do-não-saber faz brotar uma curiosidade genuína e necessária para fazer descobertas significativas. é o que eu tenho vivênciado mesmo em pequenos experimentos.
nesse início de investigação já percebi vários traços de arrôgancia presentes na minha curiosidade. ela ouve algo já buscando lastro dentro do que sei para ativar uma série de julgamentos e conclusões automaticamente. quer logo encontrar a resolução, a saída, a resposta "certa".
familiarizar-se com esse desconhecido me parece ser a prática necessária para limpar o olhar e enxergar a vida como ela é: algo que nunca vamos entender por completo. dá medo, mas tambem algum alívio.
investigar o que não sei é como me despir. e aqui, a cada capítulo, quero ir abandonando as cascas que me cobrem, uma de cada vez. quer vir junto?
as perguntas que estão me circulando para o próximo capítulo são:
O que eu não sei sobre racismo?
O que eu não sei que deveria estar fazendo para combater a desigualdade racial?
O que eu não sei sobre o que eu estou fazendo com relação ao racismo?
Como essa mente paradoxal enxerga as desigualdades?
estas perguntas fazem sentido para você? você já experimentou fazê-las pra si?
se quiser contribuir pra esse papo, me responda me questionando ou enviando suas reflexões, indicações, questões e relatos sobre o assunto. vamos juntes alargar nossas visões. (vou manter todos os relatos confidenciais, a não ser que você me diga explicitamente que gostaria que fosse compartilhado, combinado?)
por fim, aproveito para contar que no próximo sábado, dia 18, vou fazer uma oficina online para ajudar quem está precisando criar suas próprias imagens pra se divulgar melhor pela internê. inscrições por aqui.
toda a grana arrecadada será revertida para a compra de tabletes e chips de internet para que os jovens do projeto É da nossa cor possam retomar sua formação de tecnologia em tempos de distanciamento social. se você não quer participar da oficina mas quer ajudar de alguma outra forma, me manda um alô.
também quero te convidar a ler a 3ª edição da Revista Texturas, onde eu e outras participantes do Ninho de Escritoras, publicamos alguns textos \o/. tem sido lindo me reconhecer escritora ao lado destas mulheres e participar desta publicação foi mais uma das coisas que construímos juntas.
obrigada pela escuta. seguimos no papo.
um beijo,
Mari Pelli
curtiu a viagem? você pode compartilhar este e-mail com quem quiser e também convidar outras pessoas para se juntarem à conversa enviando o link https://tinyletter.com/oimaripelli para que comecem a receber.
também compartilho algumas ideias no instagram pelo @mpelli e no meu site: www.maripelli.com.br
se você não está recebendo este e-mail por ter se cadastrado no site ou pelo inbox do instagram, você faz parte da lista de pessoas queridas, com quem gostaria de dividir essas viagens, que inclui para receber esta primeira carta. mas pode ficar tranquile, se você chegou aqui sem aviso, só vou te enviar as próximas se você me disser que quer, respondendo a este e-mail. a ideia não é ser mais uma sobrecarga na sua lista de não-lidos indesejados. então, se você não quiser, vou seguir te amando da mesma maneira. ♥