

Discover more from cartas da mari pelli
tempo de escrita: 2 horas (durante o clube de criadoras)
tempo de leitura do email: 8 min
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eu sempre me considerei uma pessoa envergonhada.
talvez eu não me encaixe no perfil do estereótipo de uma pessoa tímida - falo com alguma tranquilidade em público e consigo puxar assunto com desconhecidos, entre outras habilidades sociais - mas tenho uma baita dificuldade de me expressar em alguns contextos e situações específicas. se for pra falar de sentimentos ou pra cantar em público, por exemplo, rola um frio na barriga bloqueador na maioria das vezes.
e aqui entra a minha primeira descoberta sobre o assunto. a timidez está mais pra um traço de personalidade, ligado a introversão, enquanto que a vergonha é um comportamento, uma forma de agir diante de algum tipo de estímulo.
ou seja, pra algumas pessoas dá pra ter uma personalidade tímida, mas não ter a mesma reação de vergonha diante de um estímulo que pode causar essa emoção em pessoas que não tenham essa característica de personalidade. isso me ajudou a enter como que é possível uma cantora (já que esse é um estímulo que me envergonha), tipo a Céu, se dizer tímida.
mas tá. depois de descobrir isso ainda fiquei me pergunta: o que nos leva a reagir com vergonha então?
pq será que sentimos vergonha? e a que ela nos serve?
entender mais sobre as emoções me ajuda a lidar com elas de jeitos diferentes. é o que me permite colocar contornos, que são permeáveis e flexíveis, mas de um jeito que elas deixem de me controlar. sou movida pelas emoções, de um jeito cada vez mais consciente, cada vez menos dominada por elas.
e encontrar os contornos da vergonha me ajudou MUITO, pq ela é uma dessas que pode vir misturada com um tantão de coisa. às vezes pode ser difícil diferenciar de tristeza, raiva, culpa…
no wikipédia tá dizendo a vergonha é a "emoção que nos deixa saber que somos finitos".
talvez a gente sinta vergonha pq tem a sensação de que não vai ter outra chance de viver determinada situação mais de uma vez, e tem alguma expectativa de como gostaria que ela fosse. talvez a gente sinta vergonha por saber que não vamos conseguir repetir algo, até a gente se sentir confortável o suficiente com aquilo, infinitas vezes. é, achei que faz algum sentido.
mas uma outra definição, que eu achei impactante sobre a vergonha, encontrei no “O livro das emoções: Reflexões Inspiradas na Psicologia do Budismo Tibetano” da Bel Cesar.
primeiro ela faz o paralelo entre a visão ocidental e a visão oriental sobre a vergonha. e embora eu ache que essa divisão do mundo já não faz mais tanto sentido nesses termos, sempre acho importante a gente visitar outras cosmovisões, que tão muito mais misturadas e presentes do que divididas por uma linha reta, pra refletir além dos parâmetros da cultura na qual estamos mergulhadas.
de acordo com a Bel, no ocidente a gente está mais acostumada a relacionar à vergonha a uma culpa, algo feio ou errado. enquanto que no oriente, ou pelo menos de acordo com o Budismo Tibetano, a vergonha é um estado mental virtuoso, que nos coloca para perceber se nossas ações estão prejudicando ao outro ou a nós mesmas.
aqui a investigação começa a ficar interessante. pq acho que toda vez que a gente consegue superar o binarismo do certo/errado bom/ruim e coloca outro parâmetro em perspectiva - nesse caso a nossa relação com a vida e os outros seres - sinto que estamos num caminho que amplia nossa visão.
ela segue a reflexão sobre vergonha nos perguntando - quem sente a vergonha? que eu é esse que sente vergonha? e fala da relação entre essa vergonha “culposa” com uma visão desconectada da interdependência do mundo.
afinal, se eu me sinto parte desse todo, dessa conversa gigante que se dá entre todas as infinitas formas de vida, não faria sentido eu sentir vergonha de me expressar - seja lá de que forma for. então talvez quando a gente sinta vergonha esteja só aprisionadas dentro de uma visão limitada de eu.
um texto, uma ideia, um tropeço, uma música, uma queda, uma pintura, uma receita, uma apresentação, um trabalho, uma planilha, uma dobra ou movimento do corpo… nada disso deveria ser motivo de vergonha se a gente se enxerga parte. principalmente pq na gigantesca maioria das vezes, nenhum desses atos prejudica nenhum ser - nem a nós, nem aos outros.
(e aqui penso que essa vergonha cabe muito mais pra essas situações em que realmente alguma ação nossa coloca a vida de outro ser em risco. uma vergonha que nos mostra um ajuste de rota que podemos e precisamos fazer pra beneficiar outros seres. no livro a Bel fala que essa vergonha da desconexão às vezes se apresenta como uma dor no coração. e daí fico pensando que só pode ser desconexão da vida o que levou pessoas às ruas hoje, 7/9, quando escrevo esse e-mail, pq pra protestar, em nome de ideias que são tão prejudiciais à tantas vidas só pode ser isso, desconexão. e eu boto fé que essa galera esteja sentindo essa dorzinha no coração e deva estar, sei lá, confundindo com adrenalina. não é possível.)
bom, eu gostei tanto dessa visão que gravei uma leitura comentada desse capítulo pras mulheres do Ninho - passamos o mês de agosto escrevendo sobre a vergonha e fizemos muitas descobertas juntas. essa leitura foi um belo chão pra gente caminhar:
mas pra mim o que ficou mais forte dessa leitura foi essa ideia de que:
a vergonha é a emoção da desconexão
e quando a gente olha pras nossas vergonhas pode descobrir mais sobre a qualidade da nossa conexão uns com os outros. não é sobre se pautar pelo critério dos outros - do que vão ou não achar do que você fizer - mas entender que você faz parte da conversa tanto quanto qualquer outra pessoa. então sua expressão tem espaço pra vir à tona SIM.
desde que eu entendi isso me senti muito mais tranquila em me expressar sobre emoções, ou até cantar em público, pq na verdade eu sinto que quando eu não faço isso estou deixando de fazer parte de uma rede que precisa de todos os pontinhos brilhando forte pra circular vida. quando eu brilho, tô contribuindo pra uma história que é muito além da minha própria numa visão de limitada de eu.
no Ninho a gente fez um exercício de escrita coletiva sobre a vergonha que foi fantástico! uma experiência prática sobre como as emoções não são experiências individuais. começamos cada texto com uma experiência particular e depois cada uma foi completando. no fim, parecia que o texto tinha sido escrito por uma pessoa só, mas eles contemplavam todas nós.
nos outros encontros de agosto também brincamos de transformar a vergonha em nossa super heroína e escrever sobre os momentos em que ela está ali pra nos ajudar, dando um sinal pra olhar pra algo importante.
experimentos que só me fizeram confirmar, cada vez mais, que
lidar com a vergonha não deveria ser tarefa individual
aliás, com nenhuma outra emoção.
a gente aprendeu juntas que:
que emoção é experiência coletiva
que não podemos voltar no tempo mas reescrever nossas histórias pode cumprir essa função reparadora
que vergonha faz a gente perceber nossa finitude e escrever sobre isso nos torna infinitas
e que quanto mais a gente s
e abre menos sente vergonha
e eu sou só gratidão por ter essas companhias tão amorosas pra gente, juntas, construir momentos saudáveis pra lidar com um sentimento tão bloqueador.
em setembro estamos investigando a alegria e ao longo dos próximos meses vamos escolher uma emoção por vez para mergulharmos em grupo. se você sentir de estar junto com a gente, estamos com vagas abertas <3
nos vemos em breve.
se cuide!
um beijo
mari pelli
saidera
Marissol Mwaba está de aniversário daqui a 4 dias e aproveitou a festa pra fazer uma rifa pra apoiar nos custos dos próximos lançamentos musicais. e como aqui a gente gosta de uma festinha, vamos colar nessa rifa pra dar esse suporte pra uma das artistas mais brilhantes, vivendo aqui em SC na atualidade?
num é exagero não! ela é cantora, compositora, multiinstrumentista e só tem feito feat com músicos muuuito massa. acabou de lançar um single de aniversário com o Rincon Sapiência, além de direto colaborar com a Luedji Luna (sabia que ela é uma das autoras de “Notícias de Salvador”? amo essa música) e com o Emicida - aquele laialaialaiá lindo de Princípia tem a voz dela no coro <3 isso pra só dar 3 exemplos aqui. se vc entrar no insta dela tem muito mais.
escrevo como quem sente vergonha
perfeita. team envergonhadas, uni-vos!