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tempo de leitura do email: 9 min
dá pra ouvir aqui.
a cada dia que passa vai ficando mais nítida a relação entre todos os processos criativos que eu já vivi e os que eu passei pra dar vida a um ser humano.
eu boto fé que todo impulso criativo tem uma origem comum, seja lá qual for a criação que a gente esteja gestando.
confirmei na carne essas suspeitas.
percebi que EU escrevo (canto, ou desenho) como quem gesta filhos.
tem disso né? como você faz uma coisa é como vai fazer todas as outras. dizem. e por aqui, no meu criar, percebi que as ideias vão se constituindo aos poucos, semana a semana. fagulhas que vão se multiplicando por mil a cada segundo, assim como as células de um embrião. cada palavra, cor ou elemento vai chegando na sua hora, num tempo que não posso nem adiantar nem atrasar. e vão revirando tudo aqui por dentro. meu papel é só o de observar, abrir espaço pra que passem por mim e colocar minha intenção e força pra que ganhem o mundo com saúde. igualzinho fiz pra parir um bebê.
falando assim parece até fácil. mas teve muito suor e sangue envolvidos.
percebi que o que me ajudou, ao longo da vida, a lidar com os meus bloqueios no criar, foi o que também me ajudou a encarar boa parte dos desafios da gestação:
me perceber em comunidade.
pedir ajuda, pedir ajuda, pedir ajuda.
me manter com o olhar aberto e curioso.
conhecer sobre como os hábitos funcionam (em geral e pra mim).
buscar sempre o caminho mais natural possível.
ter a arte como amiga pra desatar os nós.
confiar na sabedoria da vida.
foram esses os recursos que busquei nas horas mais difíceis e que me ajudaram a atravessar as maiores dores e medos. essas ferramentas vão seguir sendo minhas companheiras, porque sei que as tretas (e as delícias) só começaram nesse rolê de ser mãe.
longe de mim dizer que eu consegui encontrar uma fórmula mágica pra lidar com a gestação e a maternidade de um jeito 100% tranquilo e suave. pelo contrário. o maior medo da minha vida tinha a ver com o parto e eu vivi momentos muuuuito intensos antes e durante ele.
eu tive uma gestação saudável e não traumática, mas nem por isso menos avassaladora.
os sofrimentos não deixaram de existir. eu só escrevi uma história sobre eles com as minhas próprias palavras, diferente da que me contaram. e nesse caminho pude encontrar muitas coisas gostosas que eu nem imaginava que podiam existir.
não tô perdendo de vista que existem diferenças brutais no impacto que tem na vida de uma mulher quando a gente fala da criação de um projeto ou da criação de um filho. muito menos que a camada grossa de privilégios que me cobre fez toda a diferença na possibilidade de acessar certas ajudas e apoios. mas o que eu quero botar foco, por agora, é em investigar as semelhanças desses processos criativos e pensar em formas de acessibilizar esses recursos.
acho que aproximar o maternar da vida de todas as pessoas, fazendo esses paralelos, pode sensibilizar pros desafios que envolvem o criar. e talvez esse possa ser um caminho pra aliviar o peso e a violência que sobrecai sobre as mães. (será? mais um palpite que tô botando pra jogo pra ver se confirma).
fora que eu acredito que a existência de qualquer pessoa tem muito a ganhar quando ela é vivida sob a perspectiva do cuidado e do amor - e colocar esses dois em prática no mundo não é só papel de mãe.
a maternidade é um assunto que veio pra ficar na minha vida, obviamente. e hoje, pouco mais de dois meses depois do nascimento do Duda (por quem eu estou completamente apaixonada!), passados os primeiros momentos de adaptação, eu tô com uma vontade enorme de me conectar com você a partir desse novo lugar.
eu não penso, por enquanto, em passar a falar exclusivamente sobre maternidade, mesmo que ela tenha atravessado tudo por aqui e que eu AME trocar essas ideias com outras mães passando pelas mesmas situações. (aliás, as mães que produzem conteúdo exclusivo sobre maternidade: vocês são minhas heroínas e me ajudam muito! amo vocês e obrigada por tanto).
mas, por agora, quero tentar, com esses paralelos, levar esse assunto pra além do universo materno. todo mundo pode se beneficiar em falar mais sobre eles e ainda ser uma rede de apoio melhor.
atravessar esse portal me deu ainda mais vontade de falar sobre urgência do criar.
tô lidando com novo entendimento do meu tempo e as pouquinhos eu quero retomar alguma consistência por aqui.
a tinta de tudo ainda tá bem fresca. as fichas ainda estão caindo e sei que tem muuuuito mais por vir (só de relato de parto são 18 páginas FRENTE E VERSO). mas quero trazer aqui, nessas cartas virtuais, na medida que eles forem surgindo, os paralelos que eu for conseguindo elaborar.
e não, eu não acho que tudo isso a gente só pode abrender gestando um bebê. óbvio que não. muito menos que faz sentido escolher ser mãe “só” pra viver esses aprendizados - essa escolha envolve muuuuuito mais coisas, delícias e tretas, pra além do desbloquear da criatividade.
mas acho sim, que é possível a gente desbloquear na gente coisas que passamos uma vida inteira nos contando que eram de um jeito e na verdade não precisam ser só desse jeito. essa é um pouco da minha história com a maternidade.
seja lá qual for, pra você, o estalo da vida que vai te trazer esses convites, eu só quero te lembrar: eles existem. qualquer experiência na tua vida pode ser essa que traz uma transformação tão profunda de olhar que te ajude a contar uma outra históra de você pra você mesma. e acho que a gente pode ir também ao encontro delas. não precisamos só esperar que eles nos cruzem pelo caminho.
o que também tá rolando do lado de cá:
▶ depois de um período de licença maternidade “total” (dentro do que é possível pra uma autônoma $$$), onde me despedi das atividades como gerente de comunidade da EME, do Ninho de Escritoras e de outros projetos pontuais que eu participo, eu retomei às atividades profissionais focada no Clube de Criadoras. e meu plano é ficar esse próximo semestre trabalhando só nele.
o Clube é uma comunidade que se encontra toda semana pra trabalhar juntas, cada uma no seu projeto, na criação dos textos, apresentações e o que mais estivermos precisando. a gente com o suporte uma das outras e com ferramentas que eu, como facilitadora do grupo, trago pra gente lidar com a criatividade de um jeito mais saudável. a gente vai avançando mirando na suficiência, na generosidade e nos parâmetros de criação que cada uma descobre que funciona pra si - e não os que o Mark diz que tem que ser.
se antes esse já era um tempo importante na minha agenda, em que eu conseguia ter alguma consistência na criação dos meus textos e afins - sempre foi um desafio pra mim conseguir fazer isso sozinha - agora ele se tornou sagrado. tem sido basicamente o tempo de maior qualidade que eu tenho nas semanas pra poder avançar no trabalho. fora isso só consigo produzir em brechas aleatórias ao longo dos dias, entre uma soneca do bebê e uma pilha de roupas pra lavar (mães, como vocês fazem heein?).
o Clube é um espaço que amo oferecer também pq ele é importante pra mim.
tô preparando algumas novidades, agora que também voltei a tocar ele sozinha depois de um período em parceria com a Fefe Resende (saudades já). se te interessa ter esse espaço de apoio pra trabalhar nas suas criações e só me dá um alô nesse e-mail que eu te conto como você pode fazer parte.
▶ além disso, tô no meio da minha formação como arteterapeuta, chegando em uma etapa onde eu vou ter que fazer estágio e oferecer essa prática pra valer pras pessoas. chega de só estudar, agora é colocar em ação - e isso me deixa beeem animada! nos stories tenho contado um pouco mais sobre isso.
▶ antes de sair de licença eu joguei no mundo a primeira música que eu compus, Filho de Peixe:
a composição dessa música foi mais um dos processos criativos que me mostrou esse paralelo com o processo do criar da maternidade. quando comecei a escrever ela, ser mãe não tava no horizonte. e tempos antes, nem escrever e gravar uma música estava. a verdade é que a gente sabe muito pouco sobre nosso potencial criativo. e menos ainda sobre os sinais que as grandes coisas vão nos dando antes de chegar na nossa vida ❤️ eu tava só investigando outras referências de família e interessada em escrever a minha com minhas próprias palavras, mas acho que talvez já tivesse chamando essa chegada tão especial pra acontecer, meu filho - como aprendi depois que acontece em algumas tribos africanas, em que as mulheres ouvem uma música e esse é o primeiro contato que elas tem com a criança por vir.
▶ e tenho pegado na mão da música em vários outros momentos. seja como recurso pra criar vínculo com o Duda, pra me acalmar e até acalmar os cachorros:
▶ tenho me arriscado a botar uns vídeos pra jogo no instagram. tem sido interessante experimentar contar histórias que me levariam uns textões pra desenvolver, em som e imagem. além de deixar a coisa mais enxuta, também é o que tá sendo mais fácil de produzir, pq conseguir escrever com uma mão só, que é o que tenho livre na maior parte do dia, é bem desafiador hehehe.
tô voltando! tava com saudades de aparecer na sua caixa de e-mails <3
nos vemos na próxima. nem que leve mais 9 meses ;)
*não é só jeito de dizer não, o primeiro rascunho dessa carta é de novembro de 2021.