- Tempo de escrita: 2 anos e 9 meses - criado e enviado no período fértil, primavera interna.
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Você vai ter que exigir sua vida de volta depois que se tornar mãe.
Peraí, mesmo que você não seja mãe, não desliga agora. Esse texto também é pra você. Eu falo sobre maternidade pra quem também não é mãe, afinal de contas. Esse é um assunto pra todo mundo. Você nasceu? Então vem, que é pra você também.
Vamos lá, do começo de novo.
Você vai ter que exigir sua vida de volta depois que se tornar mãe.
Ninguém vai te devolver ela de presente. Ninguém vai te entregar de mão beijada. Você vai ter que E X I G I R. Batalhar por cada minuto, segundo, milésimo de tempo-espaço pra ser você, só você, um pouquinho que seja.
E mesmo assim, todos os segundos vão estar sempre a um acontecimento de serem interrompidos por uma queda, saudade ou qualquer outro assunto que você, "só" você, vai poder resolver.
(Ah, sim, quando eu tô falando de "sua vida de volta", eu tô falando de - o tempo de ser só você, de conseguir se olhar, se cuidar, se ninar - não tô falando da sua vida de antes, de volta. Essa já era. Agora você é outra. Tem luto e potência nisso. Mas aceitar o que não volta é o primeiro passo pra se abrir pro encantamento do que pode vir. E é lindo mesmo! Mas até pra tornar esse encantamento real, você vai precisar dessa força de exigir sua vida de volta.)
O tamanho da indignação de se dar conta disso, de que você vai ter que exigir algo que é teu, é equivalente ao tamanho da força que você vai ter pra se resgatar depois de se tornar mãe ou mães.
Quanto mais raiva você tiver, quanto mais injusto você conseguir enxergar que é viver em um sistema que nos coloca como as únicas responsáveis por algo que a VIDA de todas as pessoas depende, mais força você vai ter. Com mais unhas e dentes você vai na direção de se reencontrar. É a tal da raiva direcionada, raiva produtiva.
A tal força da leoa vai surgir. Agora você é mãe. Só que ao contrário do muitos falam, essa força não tá ai só pra você defender o seu bebê. Lutar por você também é lutar pela tua cria. O que é sobre seu filho é sobre você também. Quando você se der conta de que a tua realização em si mesma vai plantar a energia de realização da tua cria, você não vai conseguir dormir um dia sequer sem buscar você.
Foi uma amiga que me disse que eu ia precisar exigir minha vida de volta.
Eu engoli essas palavras no seco.
Na época, eu mal tinha o tal "tempo pro banho", quem dirá pros sonhos.
De onde eu ia tirar forças pra exigir algo?
Mas foi esse sopro que ela deu pra dentro de mim, quando me contou que não adiantava esperar, eu tinha que exigir, que me reergueu num tempo em que eu tava tão longe de mim que eu nem acreditava que ia ter caminho de volta.
No máximo, eu conseguia pedir, em tom de favor, com a mesma energia de quem tá pedindo uma esmola, um resto. O mínimo. Sem força vital pra olhar no olho e exigir, demarcar o limite. Reinvindicar o que é justo.
E olha que não foi uma questão de falta de ajuda. A minha rede próxima, familiar, esteve disponível da forma que podiam. Eu agradeço e valorizo cada um e cada uma por isso. Mas a nossa vida de volta vai além do que qualquer indivíduo sozinho pode devolver. É uma questão coletiva.
O sistema nos deixa tão exaustas, tão inseguras, que não conseguimos nem pedir de volta o que é nosso.
E veja, se perder de si FAZ PARTE do processo de se tornar mãe. É preciso. E é bom! É só abrindo mão de ser só você que dá pra ter espaço de nascer um outro.
É ótimo passar um tempo da vida sem precisar ser tão eu, eu, eu. A gente empresta um pouco da gente pra um outro se tornar si próprio também. E é lindo fazer parte disso.
Só que o modo como a gente vive hoje não dá suporte pra essa pessoa-si-própria se ausentar e poder viver essa fusão com a tranquilidade de que o lugar dela tá guardado. Pelo contrário. Depois de ser mãe, você é só mãe e por isso muito te é tirado do caminho. Muitas oportunidades, muitas possibilidades, muito recurso.
Obviamente, de forma muito desigual e diferente pras mulheres, dependendo principalmente da cor de pele e da classe social. Mas de todas nós, algo é tirado, em alguma medida.
E assim vamos tirando algo que é importante pra mãe, mas também pro filho. Pois até pra essa nova pessoa também ter espaço pra ser, precisamos conseguir nos desmisturar aos poucos e voltarmos a ser só nós mesmas.
O caminho pra se encontrar em ser si, de novo, tá entulhado pela sobrecarga e pela desvalorização do trabalho do cuidado.
Quando chega a hora de poder voltar a ser "eu”, só um pouquinho, “eu” de vez em quando, a conta não fecha pras mulheres.
E não precisaria ser assim!
Eu acredito que daria pra se perder de si e depois ter esse caminho de volta pra casa facilitado, se a responsabilidade com as próximas gerações fosse coletiva.
Anos depois, reencontro outra amiga.
Passamos uma tarde juntas depois de anos sem nos ver. As duas se mudaram de cidade. Muita coisa aconteceu na nossa vida. Mas a gente passou horas de conversas cortadas. Nenhum assunto chegou ao fim. E olha que tinha papo pra um mês de conversa. Ela me disse depois:
— Parece que eu não encontrei com você. Foi uma tarde deliciosa, seu filho é incrível, mas não parece que eu passei a tarde com você.
E é assim que eu me sinto em boa parte do tempo. Não sou eu, sou uma nova eu que ainda não sou eu. Tenho espasmos de eu. Tô defendendo esse espaço como quem cerca uma plantinha no concreto, de tão improvável que parece ser esse brotar.
Mas não vou desistir. Vou exigir cada pedaço de mim de volta, até ser eu, nova eu, eu mesma.
Eu comecei a exigir a minha vida de volta por escrito, só entre eu e as minhas palavras.
E quero ajudar mais mulheres a poderem se reencontrar com elas mesmas. Acredito que esse pode ser um caminho que pode beneficiar muitas outras.
Nos primeiros meses da maternidade, quando ainda não dava pra falar em voz alta, foi com cada palavra, em cada página, que eu fui me reencontrando, me reconstruindo, me lembrando do que eu gostava. E, assim, fui conseguindo ver de novo a força que sempre esteve dentro de mim.
Acredito que toda mulher tem uma potência criativa imensa, capaz de gerar muito mais do que filhos.
Criar é parte de quem somos, seja qual for o nosso papel, e ser mãe não nos afasta disso.
Por isso, dedico agora meu trabalho, com ainda mais intenção, a apoiar as mulheres a se reencontrarem com seu poder criativo.
Se antes eu já achava isso importante, depois me tornar mãe eu vejo que é fundamental. É uma questão de saúde pública. Vocês vão me ver falando cada vez mais disso por aqui ou pelas redes.
E nas próximas semanas temos muitas oportunidades pra estarmos juntas.
Em fevereiro, vou oferecer duas oficinas de escrita para mães em São Paulo na Casa Cosmos, Vila Madalena!
Esse é um espaço muito especial que estou criando com carinho. Serão encontros para transformar vivências maternas em palavras, fortalecer a expressão e criar um espaço de troca entre mulheres que vivem experiências parecidas, ainda que tão diversas.
Vai ser um momento para você, com exercícios guiados, acolhimento e partilhas, num ambiente especial. A Casa Cosmos é um cantinho criado para toda a família—para as crianças, para os adultos, para leitores de todas as idades.
As oficinas vão acontecer em duas sessões, pensando nas diferentes demandas de espaço depois da maternidade.
💛 Sessões:
✨ Só para Mães | 18/02, 19h30 às 21h30
Um tempo só seu, para colocar em palavras tudo que transborda.
A primeira sessão será à noite, no dia 18, das 19h30 às 21h30, e será exclusiva para mães. Esse é um tempo só seu, para colocar em palavras tudo o que transborda. As temáticas serão pensadas para que as mães possam trocar livremente entre si.
👶 Mães e Bebês (0 a 2 anos) | 19/02, 10h às 12h
Uma experiência de escrita e troca, com acolhimento para você e seu bebê.
No dia seguinte, pela manhã, das 10h às 12h, teremos uma sessão onde os bebês (de 0 a 2 anos) poderão estar junto. Eu senti muita falta de espaços assim quando meu filho era bebê, e sei o quanto é importante ter momentos para fazer algo que gostamos. A escrita pode ser uma dessas oportunidades, mesmo que em pequenas doses.
Por isso, essa segunda sessão será diferente. Ela será pensada para acolher interrupções e demandas dos bebês, e as temáticas serão adequadas para que eles possam estar presentes enquanto as mães escrevem. Além de fortalecer a potência criativa de cada mulher, essa experiência também nos ajuda a perceber que podemos acessar esse lugar mesmo junto com nossos filhos.
Estou muito empolgada e espero encontrar você—ou alguma amiga sua, que você lembrou enquanto lia.
Tá vendo porque foi importante você, que não é mãe, ter lido até aqui? ;)
Assim, pode convidar uma amiga ou até presenteá-la com essa experiência.
E além desses encontros presenciais, exclusivos para mães, no fim do mês, dia 24/02, também teremos o nosso encontro online mensal, o Respiro. Uma roda de escrita para todas as mulheres que querem resgatar ou descobrir sua força criativa. Eu naturalmente tenho aberto mais espaço no meu trabalho para as mães. Meu trabalho sempre acolheu muitas delas, mas sigo mantendo um espaço reservado para todas as mulheres. O primeiro Respiro do ano foi lindo—um momento para deixar as palavras ajudarem você a se soltar para o mundo.
Se você sente que precisa de um espaço para se expressar, criar e se reencontrar com sua potência criativa—para exigir sua vida de volta—eu te convido a chegar mais perto. Seja nesses encontros ou em momentos futuros.
Se pensou em alguma outra forma de fazer esse caminho comigo, também estou abrindo sessões individuais de arteterapia a partir de março. É só me chamar no WhatsApp ou responder este e-mail no mari@maripelli.com.br.
Um beijo e até logo,
Mari Pelli