escrevo como quem deprime e anseia
e vê as duas coisas como dois lados de uma mesma moeda
tempo de escrita: 40 minutos (noite insone + manhã de clube de criadoras)
tempo de leitura do email: 6 min
dá pra ouvir também aqui.
essa imagem de uma montanha sendo recortada e outra, de lixo, sendo criada no mar ficou muito forte pra mim depois de ouvir uma fala do Ailton Krenak.
fiz esse desenho numa tentativa de digerir essa ideia e sempre me impressiona como quando a gente "conversa" com algo que ouviu-leu-sentiu, aquilo ganha outra vida e pode nos revelar sentidos mais profundos.
só ouvir nem sempre é o suficiente pra informação penetrar nos nossos poros, quem dirá se tornar ação.
~esse é o tipo de prática que a gente sonha em puxar mais em grupo na Biblioteca do Ailton mas que vc pode fazer por conta própria tbm: escolhe um vídeo do acervo e conversa com ele - escrevendo, pintando, cantando, falando em voz alta ou na linguagem que vc preferir.~
depois que fiz esse desenho me lembrei que o lugar em que eu moro é um desses buracos. dizem que a terra que tinha aqui serviu pra aterrar outra parte da ilha. fiquei pensando que o fato da gente viver nessas depressões, causadas pelos recortes destrutivos que o ser humano faz no planeta, deve ter relação com o como a gente se sente enquanto caminha pelo mundo.
se a gente tem criado depressões como que vai querer se sentir diferente, se a nossa conexão com toda a vida que nos cerca é total?
a epidemia depressiva não deve estar só na mente humana, que gosta de pensar que é o centro da coisa toda. o mundo está cheio de depressões e nós sentimos isso mas não somos os únicos. e a ansiedade pode ser a resposta complementar a essa escavação - na tentativa de preencher esses buracos artificiais criados, a gnt engrena em criar mais e mais e mais, só que daí tapando o que devia fluir.
uns dias depois eu tava falando com a minha terapeuta sobre como era possível eu me sentir deprimida (sem brilho por fazer nada) e ao mesmo tempo ansiosa (fritando por todas as coisas q eu queria fazer)? não seria esse estado deprimido um apagão total da vontade?
ela me explicou que não só fazia sentido sim eu sentir as duas coisas ao mesmo tempo como disse que um estado pode ser uma resposta ao outro. às vezes a ansiedade pode funcionar como um mecanismo de reação a um estado deprimido, por exemplo, na tentativa de tentar gerar motivação pra vc sair da inércia. como se a cabeça ficasse fritando nas coisas pra fazer pra ver se vc engata em alguma delas e sai do sofá. mas daí a coisa pode funcionar como parafuso espanado, girando e girando em falso, consumindo nossa energia e só deixando os dias mais pesados.
a Geni Núñez, Guarani, ativista anticolonial, Mestre em Psicologia Social e doutoranda pela UFSC, também fala que os nossos principais estados mentais adoecidos tem a ver com a nossa desconexão com o tempo. a gente não tá conectado com o presente, então ou tá numa desconexão com o que passou - estado deprimido - ou ansiando demais pelo que vem em seguida - gerando a ansiedade. ou seja, uma desconexão com o chão, com a terra, com o hoje em que a gente vive.
já falei aqui algumas vezes, mas entender esses funcionamentos me ajudam muito a lidar com as flutuações emocionais da vida. e esse foi mais um desses casos. pra mim fez muuito sentido conectar essas reflexões. me conta se faz pra vc tbm? já percebeu essa relação entre estados deprimidos e ansiosos na sua vida?
logo depois dessa sessão eu me lembrei do tal desenho, e foi quando botei ali as palavrinhas "depressão" e "ansiedade". na sociedade colonizadora e capitalista a ideia de que essas questões são individuais impera, mas quando a gnt pensa além dessa visão fica muito nítida a conexão entre os processos coletivos e os individuais. e como, estamos nessa relação de interdependência total, o todo e as partes precisam se mover juntos pra ir numa outra direção.
(inclusive nessa entrevista aqui pesquisador Elton Corbanezi traz uns pontos importantes sobre a relação entre capitalismo e saúde mental. a pesquisa dele analisou a publicação de manuais diagnósticos de transtornos mentais e constatou umas mudanças chocantes ao longo dos anos, flexibilizando a intensidade de vários sintomas das doenças, em nome dessa produtividade, por exemplo. esse é o tipo de coisa que vai aumentando o impacto de andarmos por aí com essa carga de cuidar de tretas coletivas, entre elas a saúde mental, individualmente, e vai fazendo a gnt, sem saber, cavar mais e mais buracos.)
termino por aqui esperando que a gente consiga cavar menos buracos - mentais e físicos - e se engajar menos no que faz a gnt girar como um parafuso espanado.
se cuide
um beijo
a gente se vê em breve ;)
saidera
no encontro do clube de criadoras, hoje de manhã, lembrei de indicar um documentário que é daqueles que devia ser objeto de estudo básico pra vida, sabe? é o “Longe da Árvore” baseado no livro “Longe da Árvore: pais, filhos e a busca da identidade”, de Andrew Solomon. ele fala sobre família e as tantas formas que a gente pode encontrar de dar significado e amor pra essa palavra. é sobre a família que nascemos e a família que construímos, com um olhar corajoso na jornada de acolhimento e afeto das relações humanas.
a mensagem básica: feliz dá pra ser de mil jeitos. triste só tem um. e ele tem a ver com enxergar o mundo e as relações de um jeito limitado.