escrevo como quem definha
e aí, como cê tá? definhando, e você?
tempo de escrita: 4 horas
tempo de leitura: 10 min
(dá pra ouvir por aqui)
pois é, caí nesse artigo do Adam Grant na Folha, traduzido do NYT, e bingo, descobri que o que sinto nesse 2021 tem nome: definhamento.
não é um esgotamento —ainda tenho energia (mesmo que ela ande variando muitíssimo) e também não me sinto totalmente impotente. apenas me sinto um pouco sem alegria e sem objetivo.
e assim, linha após linha, fui encontrando na matéria quase que as minhas próprias palavras descrevendo como tem sido as últimas semanas-dias. sim, é mesmo como se eu estivesse me arrastando pelos dias ou vendo minha vida através de uma janela embaçada. é isso mesmo! como vocês adivinharam?
não é que eu não tenha estado descompensada desde março de 2020. é que de lá pra cá parece que contei com o modo de emergência, ativado pra lidar com a transformação drástica da rotina, + o fôlego de ânimo que deu pra estocar em 33 anos lidando com as situações da vida e que me fez fortalecer os músculos de resiliência e superação.
mas agora parece que esse estoque fôlego já não tá mais dando conta.
essa tragédia é muito maior do que qualquer situação que eu já tenha enfrentado (e, grandes chances, de você também). e ela ter feito aniversário, sem muitas perspectivas de alívio a curto prazo, não ajuda em nada. assim, como a matéria também cita, nessa situação “o estado agudo de angústia dá lugar a um abatimento crônico”.
talvez esse apagamento seja algum tipo de tática inconsciente de sobrevivência, pra tornar a vida minimamente possível mesmo estando num limbo entre o florescer e o deprimir. talvez, você que convive mais de pertinho comigo, não diria que tem algo assim tãaao diferente comigo. e aí é que está a chave desse estado. e por isso que dar um nome a esse limbo é muito, muito importante.
tanto porque dá a sensação de que não estou sozinha nesse embaçamento dos dias, quanto porque me dá um alerta mais claro sobre como pedir ajuda:
“Quando alguém não pode ver o próprio sofrimento, não busca ajuda ou faz alguma coisa para se ajudar.”
falar publicamente sobre esse estado é um jeito de ver o sofrimento. e também é uma das coisas que faz parte desse pacote de ajuda, pra mim. é claro que buscar ajuda profissional é fundamental e prioritário, se for possível. mas, às vezes, penso que reduzir esses sentimentos coletivos às salas de atendimento tão individuais tiram uma parte importante dessa história, que é um cuidado coletivo de um trauma coletivo. eu, pelo menos, tenho experimentando levar essas conversas que surgem no íntimo da terapia pra outros espaços e tenho sentido que pode ser de algum benefício pra mais pessoas. uma coisa sem excluir a outra, obviamente.
a gente precisa de vocabulário comum pra lidar com o que estamos vivendo e, já que uma das melhores estratégias para lidar com as emoções é dar nome a elas, é importante que a causa da nossa falta de motivação versão 2021 ganhe o seu próprio.
além de dar nomes, investigar as sensações que as emoções causam no corpo e a linha do tempo de fatos e gatilhos que nos levam a reagir ao que nos acontece, são outras formas de também navegar com mais prumo por esses mares. (a Isabella Ianelli e a Nathalia Roberto apresentam ferramentas muito potentes pra essas investigações no Curso das Emoções - que recomendo muitíssimo)
em tempos de definhamento, qualquer preocupação financeira, crise na carreira ou problema corriqueiro no relacionamento acaba sendo estopim de grandes explosões. acontece que a gente tá andando por aí, como fios desencapados, como a Claudia Visoni brilhantemente definiu:
Estamos todos nos batendo num liquidificador de crises. Social, sanitária, econômica, política, ambiental. A sociedade brasileira é uma gigantesca ferida aberta quando se fala em raça e gênero. Vamos empilhando trauma em cima de trauma. Milhões de humanos em carne viva, se atritando como fios desencapados nas ruas e nas redes sociais.
com tantas camadas de complexidade sobrepostas, ter algum nível de consciência sobre esse estado de humor coletivo p´ode nos ajudar a diminuir alguns níveis de exigência e acolher melhor mudanças imprevistas nas relações. que são outros jeitos também possíveis de pedir e oferecer ajuda, dentro dos limites das nossas condições e disponibilidaes, é claro.
talvez você esteja achando essa leitura muito baixo astral.
mas suspeito que isso seja pq a gente é que fala muito pouco sobre essas sensações, taxadas de “ruins”, em praça pública. eu pelo menos falo muito menos do que as sinto. é muito mais comum eu conseguir compartilhar algo publicamente quando estou num lapso de florescimento do que quando passo horas deitada olhando pro nada num mesmo dia, debaixo das cobertas (cenas reais, mesmo com esse sol lindo de outono). não que a gente precise publicar toda e qualquer fossa ou alegria, mas quando só falamos da segunda, parece que a vida só é feita dessas partes que a gente mostra motivadas. mas não é. mesmo.
acho que abrir um pouquinho de como ando do lado de cá é importante pra que mais pessoas possam ter uma visão mais completa da cena, algo que que precisamos mais enxergar, da vida uns dos outros. e também pq a ideia é seguir trocando essas cartas com vocês semanalmente (se a minha montanha russa de motivação assim permitir, claro.) e quem sabe assim a gente vai costurando algum tipo de ajuda possível através dessas correspondências.
aqui vou puxar conversas sobre o que nos aperta o peito e como podemos contar histórias a partir do que ele nos diz.
(pra me ajudar na minha dificuldade com consistência, escolhi enviar às terças, que é o dia p´ós-Ninho de Escritoras já que saio tão inspirada dos nossos encontros. essas mulheres tem salvado as semanas e o foguinho criativo desde 2020. às elas, só agradeço.)
bem, de volta ao Adam Grant, ele não só vem trazer um nome pro definhamento como tam´bém aponta alguns caminhos pra gente lidar com ele:
_buscar o estado de fluxo - aquele que a gente atinge quando se engaja em alguma atividade em que conseguimos mergulhar total (eu ouvi arte?)
_buscar algum tempo sem interrrupções - colocar algum tipo de limite auto imposto pra conseguir ter pelo menos algum tempo em que você consiga não se interromper ou ser interrompida (esse é o mais desafiante pra mim)
_buscar pequenas vitórias - dar algum pequeno passo, mesmo que sem entusiasmo, na direção de algo que você goste ou deseje (ou também vale aqui apreciar algo que a gente fez no dia, mesmo que não tenha sido feito com essa intenção inicial)
nesse ponto cabe perfeitamente o “o foda da terapia é que não traz impeachment”, mas diante do que temos mais “fácil” ao nosso alcance, pra mim, a escrita é uma dessas atividades que consegue dar check nos três quesitos. outros tipos de arte ou movimento do corpo também cumprem super esses papéis e no fim cada uma dessas linguagens funciona diferente pra cada pessoa ou situação, mas o que eu acho bom da escrita é que é algo que mesmo de debaixo das cobertas dá pra começar.
pelo menos, foi assim que eu cheguei a finalizar este e-mail hoje. peguei meu caderno e comecei a desabafar um pouco sobre o dia e de repente eu estava com vontade de vir aqui compartilhar mais sobre isso. uma palavra foi puxando a outra e juntas elas me colocaram em algum movimento. aquele tipo de escrita que te tira da cama ❤. recomendo.
parênteses 1 - estava há 3 semanas patinando e me enrolando pra começar essa série de newsletters e hoje consegui terminar essa carta aqui pra enviar. celebro essa minha pequena vitória do dia com você. obrigada pela atenção e leitura até aqui!
parênteses 2 - aproveito pra também te lembrar algo que não custa repetir: o que você tem pra dizer importa. e é por isso que incentivo que saia de dentro você e vá pro mundo. então, se sentir de fazer, experimenta escrever livremente da próxima vez que sentir coisinhas por aí e me conta como for.
mas, importante, esse não é um recado pra que você busque “se consertar”, ou eu dizendo que precisa fazer isso ou aquilo porque está se sentindo mais ou menos produtiva nos últimos tempos. esse e-mail é uma tentativa de abraço virtual pra te dizer: tamo juntas. seja lá como você estiver agora. descobrir todas essas coisas me deu um alento por aqui e talvez possa te trazer algum vento pra você enxergar o que anda rolando por aí também. só isso.
conto um pouquinho do que ando vivendo pq vai que pode servir de alguma forma pra tua jornada. mas se não couber pra ti também, é só botar de lado e continuar olhando pro teto. a vida não é só sorriso e pôr do sol e tudo bem.
pra finalizar, o Adam Grant também diz:
também acredito nisso.
vou ficando por aqui por hoje e aproveito pra deixar um convite: nesse mês vai rolar o lançamento da primeira publicação do Ninho de Escritores unindo o grupo facilitado pelo Tales em SP, e por mim, em Floripa (mesmo que na pandemia essas fronteiras tenham ido abaixo) e vamos fazer um evento de lançamento no dia 13 de maio, às 19h30. no lançamento vai rolar um papo sobre a temática do livro e também vamos escrever juntes. só vem!
essa publicação reúne contos sobre Memento Mori, ou, se dar conta da própria finitude, e esse é outro assunto que dá pano pra manga e tá super conectado com o papo que tivemos hoje. sobre isso, uma dica final, começou ontem o ciclo Vida e Morte do o lugar, sobre impermanência, luto e morte. no encontro de abertura, com a Dra Ana Claudia Quintana Arantes ela mandou um: “a morte é um tema que põe a gente num acelerador de felicidade. chega de deixar pra depois. dá uma potência na capacidade de discernimento.” uou.
vou precisar ir ali refletir/viver depois dessa.
semana que vem tô de volta pra gente continuar na conversa.
um beijo!